Jorge Luiz Souto Maior(*)
A greve é uma ação política da classe trabalhadora que tem sempre o grande beneficio de obrigar que pessoas e instituições revelem seus verdadeiros sentimentos e funções, ainda que o façam por meio de novas retóricas.
Os trabalhadores em greve, que em greves de outras categorias de trabalhadores são tratados como integrantes da “sociedade”, que é apontada como entidade prejudicada pela ação grevista, ou que são denominados de “colaboradores”, como se estivessem em parceria com o capital, são, enfim, reconhecidos como o que de fato são: trabalhadores. Esse é um grande efeito da greve, embora seja parcial, pois só seria completo se a greve fosse vista pelos próprios trabalhadores, tanto os que estão em greve quanto os que são atingidos por ela, não como um ato de uma categoria específica de trabalhadores, mas como uma prática política necessária à formação da consciência da classe trabalhadora. As contradições que se revelam expressamente nas greves, de todo modo, são elementos de extrema relevância para essa compreensão, pois como o sistema jurídico foi obrigado a reconhecer, historicamente, a greve como um direito, é por demais revelador ver esse direito, tomado pela visão de mundo burguesa, sendo aplicado para evitar a greve e não para garanti-la, como deveria ser feito. Vejamos, por exemplo, o que se passa com a greve dos professores da rede pública do Estado de São Paulo. É voz corrente que a educação é o maior patrimônio de uma nação e que, por conseqüência, a profissão de professor é a mais “nobre” e importante de todas. Ocorre que, em concreto, a educação pública, porque rivaliza com o grande mercado que a educação atingiu no setor privado, é deixada em situação de extremo sucateamento e os professores da rede pública sofrem as conseqüências disso, seja no que se refere ao salário, seja no que tange às próprias condições de trabalho, o que, ademais, impulsiona o implemento de uma lógica de mercado no próprio ensino público, favorecendo à formação não de cidadãos conscientes e críticos, mas de mão-de-obra para o mercado, cabendo lembrar que os alunos da rede pública integram-se, no geral, à classe trabalhadora em seus estratos mais pobres. Tudo isso se reforça com a imposição aos próprios professores de metas de produção. Essa realidade, no entanto, fica submersa nas retóricas de valorização da educação e da profissão de professor, mas que não resistem a uma greve, sobretudo quando esta atinge o ponto de consciência que a greve dos professores da rede pública do Estado de São Paulo atingiu. Ora, muito rapidamente os professores, de colaboradores e profissionais nobres, passaram a ser tratados não apenas como trabalhadores, que de fato são, mas como um bando de aproveitadores, de baderneiros, de seres irracionais que querem extorquir o governo e até como pessoas que se permitem ser utilizadas como “massa de manobra” para desestabilizar o governo em prol de um possível favorecimento ao partido político do governo federal. Mas dos baixos salários que recebem e das condições precárias de trabalho a que são submetidos nada se fala, como se essas situações fossem frutos da natureza e que trouxessem os atributos da inexorabilidade e da imutabilidade. Em ataque à greve conseguem, ainda, falar em falta de razoabilidade das reivindicações dos professores como se a situação fática existente tivesse algum grau, por menor que fosse, de razoabilidade. Falam, ainda, nos prejuízos da greve para os alunos, como se de fato estivessem preocupados com a vida desses alunos, já vítimas de um sistema desigual, carregado de diversas formas de opressão, que sequer é trazido a exame. E ainda têm a audácia de falar em ofensa à legalidade, como se a greve não fosse um direito e como a plenitude do respeito à legalidade fosse prática daqueles que a invocam. Essa forma de tratar a legalidade de maneira parcial, conveniente e contraditória é histórica em nossa realidade, sendo oportuno destacar, ilustrativamente, o argumento utilizado pelo regime ditatorial para atacar as greves dos trabalhadores no ABC: "Trabalhadores e trabalhadoras. Bem sei quantas promessas já vos foram feitas. E quantas não puderam ser concretizadas em fatos e realizações. De mim, direi apenas que falo com franqueza e ajo com determinação. Sou homem da ponderação e da prudência. Mas não hesitarei em aplicar as leis existentes. Diante de situações que ameacem a tranqüilidade da família brasileira ou possam conduzir a desordem social."[1] Nesse aspecto, aliás, pouca divergência se pode encontrar no Editorial da Folha de S. Paulo, “Deseducação pela greve”, publicado no dia 26/03/15, inclusive pela utilização do recurso retórico do prejuízo à “família” brasileira[2]. Se formos falar de legalidade, o primeiro ponto a considerar é que a greve é um direito e cumpre aos trabalhadores “decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender” (art. 9º., CF). Segundo, que, deflagrada a greve, é obrigação legal do empregador negociar com os trabalhadores e não vir a público para dizer que com “grevista” não negocia, como se grevista fosse chantagista ou seqüestrador. Terceiro, que não é legalmente possível continuar a atividade sem essa negociação com os trabalhadores, ainda mais valendo-se, como se verifica no caso concreto, da utilização de professores temporários, que diante da própria precariedade do contratação se vêem coagidos a continuar trabalhando, isso sem falar na muito provável inconstitucionalidade na forma dessas contratações. Quarto, que é ilegal qualquer tipo de pressão do empregador para “convencer” trabalhadores a não aderirem à greve ou a efetivação de represálias aos grevistas, como anotação de faltas e cortes de salários, sobretudo quando o empregador sequer se predispôs à negociação, conforme já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal em diversas ocasiões, tomando-se como exemplo a decisão da lavra do Min. Luiz Fux, na Reclamação n. 16.535, que reformando decisão do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) no que tange ao corte de ponto dos professores da rede estadual em greve, explicitou: "A decisão reclamada, autorizativa do governo fluminense a cortar o ponto e efetuar os descontos dos profissionais da educação estadual, desestimula e desencoraja, ainda que de forma oblíqua, a livre manifestação do direito de greve pelos servidores, verdadeira garantia fundamental". Tais atitudes, além de ilegais, por contrariarem a lei de greve, Lei n. 7.783/89, que até pode ser considerada inconstitucional, vez que restringe o alcance do direito de greve, configuram, ainda, atos antissindicais tais como definidos na Convenção 98 da OIT (ratificada pelo Brasil, em 1952), que justificam, até, a apresentação de queixa junto ao Comitê de Liberdade Sindical da referida Organização. Enfim, ao serem expressos argumentos de razoabilidade e de legalidade para combater a greve dos professores da rede pública do Estado de São Paulo, que não são, em verdade, nem razoáveis nem legais, acaba-se fornecendo elementos importantes para a percepção da realidade da sociedade de classes em que vivemos. São Paulo, 30 de março de 2015. (*) Professor livre-docente da Faculdade de Direito da USP. [1]. Discurso televisivo do Presidente João Batista Figueiredo, reproduzido no Filme, ABC da greve, de Leon Hirszman. [2]. http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/03/1608224-editorial-deseducacao-pela-greve.shtml
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quarta-feira, 1 de abril de 2015
Todo apoio à greve dos professores da rede pública do Estado de São Paulo - Alguns dizem que a greve causa prejuízos para os estudantes. Mas os professores estão lutando justamente contra a precariedade do ensino de seus alunos.
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