sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Dirigentes partidários pregam unidade e mobilização contra o golpismo - Importantes lideranças políticas do país protagonizaram um dos principais debates deste segundo dia do Fórum Social Temático de Porto Alegre. Foi a mesa de convergência intitulada “Democracia e Desenvolvimento em Tempos de Golpismo e Crise”, no auditório Araújo Vianna, que contou com público de mil pessoas segundo os organizadores. A tônica foi a defesa do mandato da presidenta Dilma e o alerta sobre os riscos de retrocessos democráticos no país.

Walter Sorretino defendeu a construção de uma agenda para relançar o processo de crescimento econômico e criar as condições para uma nova etapa do projeto de desenvolvimento.
Walter Sorretino defendeu a construção de uma agenda para relançar o processo de crescimento econômico e criar as condições para uma nova etapa do projeto de desenvolvimento.



O presidente do PT, Rui Falcão, chamou a atenção para o fato de que hoje no Brasil há uma direita que não aceita a derrota nas urnas e faz de tudo para retornar ao poder. Falcão criticou a atitude do PSDB pedindo a cassação do registro do PT, o que classificou como um factoide antidemocrático. 

Falcão disse que, apesar do STF (Supremo Tribunal Federal) ter anulado o encaminhamento que havia sido realizado na Câmara para o rito do impeachment, as “ameaças” continuam. “O Congresso retoma seus trabalhos ainda com esse senhor (Cunha) na Presidência da Câmara, agora com o foco voltado não só para o rito do impeachment, mas voltado também para o Tribunal Superior Eleitoral. Querem criminalizar as contas de campanha da presidenta Dilma”, disse.

Ameaça: Estado de exceção dentro do Estado de Direito

Outra questão grave apontada pelo presidente do PT foi a chamada “teoria do preposto”, exposta por um dos procuradores da Operação Lava Jato, que sinaliza no sentido de voltarem-se as investigações para os partidos políticos neste ano. Segundo a visão exposta, caso algum dirigente de partido, seja ele deputado, senador ou vereador, tenha cometido alguma transgressão nas contas da sigla, o responsável será da própria organização partidária da qual ele é preposto. “É uma nova versão para a teoria do domínio do fato (...) o que está em jogo hoje é a questão democrática. O que estamos assistindo hoje é a criação do embrião do estado de exceção dentro do Estado democrático de direito (...) o combate à corrupção não pode significar ameaças à democracia e aos direitos”, alertou. Falcão também fez comparação com o AI-5 (Ato Institucional nº 5) que proscreveu o habeas corpus, durante a ditadura militar, em 1968. “Hoje, o habeas corpus está proscrito por setores do Judiciário, com apoio da mídia monopolizada.”

Falcão contextualizou a crise econômica que o país enfrenta dentro do cenário internacional. “Estamos vivendo uma crise dramática do capitalismo, que é maior, talvez, que a crise de 1929, e tem consequências imprevisíveis. Essa crise reduziu as margens de lucro do capital no mundo inteiro. No que diz respeito ao Brasil, o capital busca revogar conquistas históricas dos trabalhadores. No governo Lula, sob condições internacionais favoráveis, foi possível uma política onde praticamente todos ganhavam. Isso acabou. A aliança que existia com setores do empresariado se estreitou muito.”

Sobre a necessidade de mobilização e reorganização da luta social, Rui Falcão salientou o papel da Frente Brasil Popular e da Frente Brasil Sem Medo, para que a esquerda retome o seu protagonismo. “A estratégia de Frente é o nosso caminho. Precisa ser fortemente mobilizadora. O programa da Frente deve somar a agenda do desenvolvimento sustentável, com a defesa da democratização do Estado, a defesa da Petrobras, a ampliação de direitos”, disse.

Sorrentino: defesa da democracia contra o golpe

O vice-presidente nacional do PCdoB, Walter Sorrentino, afirmou que a jovem democracia brasileira está sendo ameaçada por uma ofensiva reacionária que pretende “fazer uma ponte para um neoliberalismo selvagem, com retirada de direitos sociais e trabalhistas, e uma política externa subserviente aos interesses do imperialismo”. O PCdoB, anunciou Sorrentino, definiu como um eixo central para enfrentar essa ofensiva golpista a formação de uma frente partidária e social. “A tentativa de impeachment foi uma aliança espúria do PSDB com Eduardo Cunha, com apoio midiático. Essa ofensiva foi contida, por ora, mas essa batalha será dura e prolongada”, avaliou.

Para Sorrentino está ocorrendo amplo processo de criminalização da política que visa sua desconstrução no país. “Em nome do justo combate a corrupção e da necessária correção de práticas e governança de grandes empresas nacionais, e sua relação com o estado, a Lava Jato promove a judicialização e a criminalização da política, ao mesmo tempo que se politiza, no pior sentido do termo, com apurações e divulgações seletivas. Assim a operação transforma-se am uma espécie de justiça à parte”, alertou.

Retomada do crescimento econômico

A esperança que precisa se reacender no futuro próximo, segundo Sorrentino, é a retomada do crescimento econômico. É isso que espera a sociedade. Ele defende um pacto entre empresários e trabalhadores em torno de uma agenda imediata de medidas que levem a este processo de retomada. 

“Precisamos ser capazes de construir uma agenda convergente de consensos, para relançar o processo de crescimento econômico e criar as condições para uma nova etapa do projeto nacional de desenvolvimento. A baliza fundamental para a esquerda e os setores progressistas nesta agenda é não retroceder com medidas de regressão social e antipopulares, esta é a base para a nossa unidade”, afirmou.

O dirigente comunista alertou para a dimensão de dificuldades impostas pela grave crise econômica do capitalismo no mundo e seus reflexos no Brasil, que não podem ser desconsiderados. No atual contexto, enumerou uma série de questões que precisam ser enfrentadas imediatamente para a retomada do desenvolvimento. Citou a necessária diminuição dos juros e câmbio favorável a competitividade da indústria nacional, destravamento dos investimentos públicos e privados nas áreas de infraestrutura e energia, promoção de acordos que permitam às grandes empresas voltarem a operar nas grandes obras, recriação da CPMF, taxação de grandes rendas e fortunas, como fazem nações desenvolvidas.

Luta política e disputa de ideias

Sorrentino, destacando o papel de debates do Fórum, enfatizou que é através da luta política e de ideias, amparadas na mobilização social crescente, que se pode retomar a iniciativa e barrar o golpismo. A retomada do crescimento pode surtir efeito ainda neste ano, segundo o dirigente do PCdoB, desde que seja recuperada a confiança no projeto. “É preciso ter iniciativa política do governo e das forças populares, manter e ampliar a base política do governo no Congresso, disputando o apoio de forças centristas, praticar uma política ampla, hábil e participativa. Ampliar o diálogo com setores produtivos e movimentos sociais.”

A direita brasileira tem um projeto protofascista


Resistência popular a partir da unidade: para o ex-presidente nacional do PSB, Roberto Amaral, a Frente Brasil Popular pode ser a principal alternativa de resistência ao que ele considera como projeto protofascista da direita que está em curso no Brasil. “Estamos vivendo uma tentativa de aniquilamento das forças populares e da esquerda no Brasil. O PT é o alvo principal, mas não se enganem, não é o único. O que eles querem é destruir todos os demais partidos de esquerda. Além disso, tentarão aniquilar a maior liderança popular do Brasil que é o presidente Lula. Vejo ameaças maiores que as de 1964”, afirmou.

O senador Roberto Requião (PMDB-PR) considera ridículo o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Requião advertiu para os riscos que a crise econômica que está no horizonte representam para o país. “O Brasil está sofrendo uma crise brutal que parece estar só no início. O que é mais grave é que há uma incapacidade de a nação reconhecer a intervenção estrangeira na economia e na política do país. Há uma tentativa de desmoralizar o próprio conceito de uma nação brasileira. Precisamos de uma utopia nacional para enfrentar esse cenário e o que pode nos unificar é um estado de bem-estar aberto e multicultural.” Para Requião, defender a legalidade democrática do Brasil é assegurar a construção de um projeto nacional baseado na justiça social e na democracia.

De Porto Alegre, Clomar Porto, especial para o Portal Vermelho

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Desigualdade e crise civilizatória são foco de debate no FSM.

Globalização, desigualdade e a crise civilizatória foi o tema de debate realizado pelo Fórum Social Mundial Temático na tarde desta quarta-feira, 20, no auditório Araújo Viana, em Porto Alegre. O sociólogo português Boaventura Souza Santos lançou uma provocação ao fazer um balanço destes 15 anos de FSM. 





Para ele, a ausência de tomada de posição sobre algumas questões em pauta no contexto internacional contribuíram para a construção de convergência entre os diversos grupos e movimentos participantes, porém, ao longo dos anos, resultou no esvaziamento do evento como propulsor de ideias anti-globalizantes e anti-capitalistas. 
Para ele, “é preciso que seja criada uma estrutura paralela” que tenha o papel de tomar tais posições e, assim, fortalecer o caráter do Fórum como espaço de debate sobre alternativas ao capitalismo. Boaventura destacou, ainda, que também faltou maior articulação entre as diversas organizações que compõem o evento. 

Crise do capitalismo

O sociólogo explicou também que nos últimos anos, devido à crise econômica do capitalismo mundial, a Europa acabou tendo de experimentar o amargo remédio do FMI. Tal receituário era, até então, defendido para os países em desenvolvimento. Porém, bastou sua aplicação nos países europeus para que se comprovasse a gravidade de suas propostas para os povos. Trata-se, segundo ele, de uma "verdadeira “pilhagem”, da retirada de direitos no contexto de um "capitalismo cada vez mais arrogante”. 


Sobre os governos da América Latina e em especial o brasileiro, Boaventura enfatizou: “sou absolutamente solidário com o governo brasileiro neste momento, contra o golpe. Sabemos de que lado estamos”. Porém, criticou a perda de algumas oportunidades de mudar as estruturas sociais com mais profundidade. “O boom das commodities — em especial o petróleo — não foi aproveitado como deveria por estes países para aprofundar o seu desenvolvimento”, constatou. Além disso, Boaventura colocou a necessidade de se adotar medidas como a tributação maior sobre os mais ricos como fator de redução das desigualdades. 

De acordo com Boaventura, a ascensão das forças populares e de esquerda na América Latina resultou numa forma de reação revanchista e agressiva por parte das elites. Neste sentido, destacou estar havendo um processo de “degradação das relações políticas", cujo exemplo mais recente e acabado é a eleição de Macri na Argentina, um nome advindo diretamente do setor empresarial e comprometido com uma visão neoliberal e regressiva. Ou seja, os setores dominantes passam a buscar entre os seus nomes que possam ser alçados à condição política, nomes estes umbilicalmente comprometidos com a ideologia dominante. 

Boaventura também alertou para um fenômeno que se tornou mais claro nos últimos anos: os movimentos de rua de direita. “A esquerda descobriu que não tem o monopólio das ruas. E a direita parece aprender melhor com os nossos erros do que nós mesmos”. Para ele, essa tática obedece a uma concepção maior de um “fascismo a conta gota”. 

Busca pelo futuro


Ao fazer o mesmo balanço dos últimos 15 anos do FSM, a presidenta do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz), Socorro Gomes destacou, ao Vermelho, aspectos importantes que caracterizaram o evento desde a sua criação. “O FSM é marcado por ampla diversidade cultural e política. Mas há três pontos, para além deste aspecto, que considero muito importantes: a posição contrária à guerra e pela paz; sua essência anticapitalista, contrária a este sistema deletério e destruidor e a sua afirmação na busca pelo futuro, uma mensagem positiva de que outro mundo é possível. Isso continua atual”.

Para ela, as articulações do Fórum levaram a muitos êxitos. "Vários países saíram do mapa da fome da ONU, o analfabetismo foi erradicado em nações como a Venezuela do comandante Hugo Chávez, Evo Morales implementou grandes avanços na Bolívia. E o Brasil conseguiu, com os governos Lula e Dilma, retirar milhões de pessoas da linha da pobreza".

Socorro, no entanto, enfatizou que "os problemas ainda são muitos e se olharmos para o mundo, veremos que há uma grave crise civilizacional, que pode ser constatada, por exemplo, na grande migração que está acontecendo para a Europa, o que também demonstra o fracasso das políticas de guerra contra os países e de golpes para a derrubada de presidentes, promovidas pelos EUA e Otan, e que são cinicamente chamadas de operações humanitárias em defesa da democracia.

Essas políticas de cunho imperialista e contrárias à auto-determinação dos povos resultaram, conforme explicou, na fuga em massa de milhões de pessoas em vários países. "E quando essas pessoas conseguem chegar à Europa, encontram a truculência das potências europeias e da Otan, aquelas mesmas que promoveram a destruição de seus países, provocaram o terrorismo e o caos”.

Para Socorro, portanto, permanece no cerne do Fórum "a necessidade de dar continuidade e avançar na luta pela paz e contra as guerras. E paz não rima com opressão, com injustiça, com a falta de direitos dos povos, e nem com a falta de soberania”.

A mesa de debates contou ainda com a participação de Maren Mantovani (StopWall), que abordou a gravidade dos problemas impostos por Israel aos palestinos; Leo Gabriel, jornalista da Áustria; Cristina Reynold (AIH/Argentina), Caroline Borges (Reaja/Brasil), Claudir Nespolo, da CUT e Ruth Coelho, da Força Sindical.

De Porto Alegre,
Priscila Lobregatte


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