domingo, 20 de novembro de 2016

Reportagem coletiva: os mistérios da prisão de Garotinho.

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Proponho a vocês um trabalho que foi bem sucedido por ocasião da Satiagraha: uma reportagem coletiva em torno de um fato que promete ser uma bomba.
Na série que escrevi sobre a Veja, 7 anos atrás, descrevi as jogadas em torno do macartismo. Cria-se um ambiente de catarse, de caça a inimigo e, por baixo desse manto, vão sendo costurados vários tipos de jogadas que, em circunstâncias normais, seriam consideradas estranhas mas que, no quadro de uma guerra santa, se justificariam.
A prisão do ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho é um caso típico de exploração de catarse. Mas poderia haver algo mais por trás da espetacularização?
É a tese que pretendo propor para nossa reportagem coletiva.
É possível que prisão do ex-governador Anthony Garotinho deslinde um roteiro paralelo nesses tempos de Lava Jato. Há um conjunto de indícios que sugere que possa ser um capítulo obscuro de uma guerra de quadrilhas. Quem é mocinho, se é que tem algum, não se pode adiantar.
Os indícios a serem analisados
O Ministério Público Federal descobriu, recentemente, um (Velho) método investigativo que batizou de “teoria do fato”. Consiste em, juntando as primeiras evidências, montar uma teoria inicial que permita ordenar as informações de maneira mais objetiva.
As informações até agora divulgadas sobre a prisão de Garotinho permitem juntar as seguintes peças:
1. Segundo os procuradores, as investigações deveriam prosseguir por mais um mês. Mas foram antecipadas devido à crise do funcionalismo do estado do Rio de Janeiro. Não explicaram o que uma coisa tem a ver com a outra. Ficou subjacente a sensação de que pretenderam aplicar a punição aos políticos que levaram o estado àquela situação. Mas é pouco. Vai-se sacrificar semanas de investigações por indignação?
2. Garotinho ameaça denunciar figurões, sem mencionar qual. O juiz Glaucenir Silva de Oliveira, então, atropelando laudos médicos, ordena sua remoção para o presídio Bangú.
3. A reação de Garotinho foi de pânico puro. Berra aos guardas que seria morto. Não diz por quem, mas por inimigos genéricos. Mesmo porque foi Secretário de Segurança no governo de sua esposa Rosinha.
4. Hoje, o juiz dvulga a denúncia de que supostamente teria sido procurado com propostas de subornos, de R$ 1,5 milhão e R$ 5 milhões. Mas, curiosamente, não teria revelado a ninguém, para não atrapalhar as investigações. Como assim? O suborno seria elemento central, inclusive para justificar a prisão de Garotinho.
5. Ao mesmo tempo, informa que está sendo alvo de uma investigação da Polícia Federal, devido a uma denúncia de Garotinho. E, defensivamente, sugere que quem está investigando pode ter sido alvo de proposta de suborno, assim como ele foi.
6. No Blog, um leitor de Campos traz informações sobre supostas ligações do juiz com os irmãos Pereira. Trata-se de um grupo que atua no setor de lixos, com contratos com  várias prefeituras (https://goo.gl/dpCsWd). É um grupo polêmico, com histórico de violência em Campos.
A Teoria do Fato
Vamos juntar esses indícios em uma “teoria do fato”, uma possibilidade – não uma certeza – em torno das informações  alinhavadas.
1. O juiz tinha em suas mãos um caso eleitoral envolvendo Garotinho.
2. Garotinho ameaçou denunciar episódios envolvendo o juiz.
3. Os fatos se precipitam e o juiz decide antecipar a autorização de prisão de Garotinho, valendo-se do direito penal do inimigo e do fato de que qualquer decisão, por mais arbitrária que fosse, receberia respaldo da Globo.
4. Planeja, então, remetê-lo a Bangu.  Garotinho sofre o ataque de hipertensão e é internado no Hospital Souza Aguiar. A pressa do juiz de remetê-lo para Bangu é tamanha que decide atropelar laudos médicos e transportar Garotinho de qualquer maneira para o presídio.
5. Ex-Secretário de Segurança do Rio, Garotinho seria o típico caso de marcado para  morrer. Daí seu desespero em resistir à ordem de prisão, mesmo acamado, sustentando que denunciaria muita coisa e poderia morrer no presídio. É evidente que o juiz sabia dos riscos de vida, pelos problemas cardíacos e pelas vendetas de criminosos. Mas insistiu.
6. Hoje, temeroso dos desdobramentos do caso, e das consequências das investigações da Polícia Federal, o juiz denunciou a suposta tentativa de suborno contra ele – de um mês atrás! – e insinuou que as mesmas pessoas podem ter subornado a PF. Tentou desqualificar antecipadamente as investigações. Qual o seu receio?
Há outras “teorias do fato” possíveis. Como, por exemplo, supor que o juiz é um intimorato defensor da lei e da ordem, um radical adversário da corrupção e agiu movido pelos instintos primários que acometem os justiceiros.
A pauta coletiva
Seja qual for o caso, temos uma boa história para uma pesquisa coletiva. Quem participa?
Casos a serem investigados:
1. Mais dados dos tais irmãos Patrão e suas parcerias em Campos. Inclusive o paradeiro do delegado Márcio Caldas, que teria enfrentado os irmãos e recebido uma surra.
2. Parece que já houve uma investigação da Polícia Federal que flagrou atividades desses irmãos. Quem conhece a íntegra?
3. Mais dados sobre os esquemas políticos em Campos, com Garotinho e com o ex-prefeito, que seria o patrono dos tais irmãos Pereira, Tiago, Leandro e Vinícius Pereira, que têm entre 29 e 34 anos, e são apontados por promoverem brigas em casas noturnas e bares de Campos e Farol de São Tomé.
4. Dados que eventualmente comprovem (ou desmintam) as relações do juiz Glaucenir com os esquemas do prefeito anterior.
5. Informações sobre se o juiz informou ou não a força-tarefa sobre a suposta proposta de suborno.
6. Links de matérias em que a força tarefa explica a razão de ter antecipado a prisão de Garotinho.
7. Informações sobre os esquemas dos Garotinho em Campos.
À medida que as informações forem sendo levantadas, iremos consolidá-la no texto.

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Juiz que arrancou Garotinho de hospital foi beneficiado por prerrogativa de foro





Jornal GGN – Responsável pela prisão do ex-governador do Rio, Anthony Garotinho e, depois, por sua retirada do Hospital Souza Aguiar, contrariando parecer médico sobre sua saúde, o juiz Glaucenir Silva de Oliveira já foi personagem de episódios pesados de abuso de poder.
Segundo o jornal Gazeta Online, de 21 de dezembro de 2009, republicado pelo O Globo (http://migre.me/vx851), o juiz teria importunado a namorada de um empresário de Vitória, durante show da banda Skank. Quando o empresário reagiu, o juiz sacou uma pistola e apontou para ele. O empresário pediu para os seguranças que impedissem o juiz de sair e chamou a polícia.
Na polícia, o juiz não explicou seu gesto, mas admitiu que ele e um amigo entraram armados na boate. Em sua defesa, alegou que sofreu um esbarrão e levou a mão à arma “por reflexo”.
Beneficiado por prerrogativa de foro, manteve a arma e conseguiu que o inquérito caminhasse em sigilo,a atitude do juiz reforça enormemente os argumentos dos que defendem a Lei que pune abusos de autoridade.
Apesar de constar dos arquivos do Globo, fato passou em branco na imprensa.
A Guarda que multou o juiz e se tornou ré
Em 26 de maio de 2011, o juiz voltou a ir para uma delegacia, acusado de ter agredido uma Guarda Municipal que o multou no trânsito (http://migre.me/vxdi5)
Segundo o jornal:
"A guarda Simone disse que estava fazendo o serviço de orientação e ordenamento do trânsito no cruzamento da avenida José Alves de Azevedo com Saldanha Marinho, quando o motorista de um veículo, sem nenhuma identificação oficial e com um motorista vestido de short e camisa, parou no sinal, com o condutor sem cinto de segurança.
Ao notar a infração, prevista no artigo 167 do Código Nacional de Trânsito, ela teria pedido que o motorista colocasse o cinto porque era perigoso trafegar sem o mesmo. Nesse momento, segundo a guarda, o homem havia dito que era juiz, mas não teria se identificado e nem colocado o cinto, motivo pelo qual ela fez a anotação de multa, já que a infração é grave, com perda de cinco pontos na carteira e multa de R$ 127,00. Ainda segundo a servidora pública, o juiz, ao notar que foi multado, voltou falando alto e denegrindo sua função, supostamente proferindo xingamentos.
Ao se aproximar dela, o magistrado a teria agredido, puxando-a pela farda. Momento em que ela, temendo ser agredida fisicamente, pediu reforço ao comando e se defendeu. Em seguida, ela teria o convidado para que a acompanhasse até a sede da Guarda e depois à delegacia. Nesse momento, segundo ela, o juiz teria dito que ela é que iria acompanhá-lo. Simone conta ainda que, ao chegar à Delegacia, foi surpreendida com a informação de que ela, que teria sido agredida, era ré no boletim de ocorrência (BO) feito pelo juiz. “Vim para cá  porque sou vítima e vou sair daqui como ré”".
O suborno de Garotinho
Muito cuidado com as seguintes informações:
1. O juiz Glaucenir afirma que teria recebido proposta de suborno de alguém enviado por Garotinho.
2. Ao mesmo tempo, admite que pode ser investigado pela Polícia Federal.
3. Antes mesmo de se saber o teor da investigação, sugere que as mesmas pessoas que pretenderam supostamente suborná-lo, podem ter subornado a PF.
4. O receio de Garotinho de ser executado no presídio e suas ameaças de denúncias contra grupos criminosos.
Tem coisa aí.

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Exposições a Garotinho e Cabral atingem direitos individuais


No quarto de um hospital a filmagem da transferência de Garotinho, na penitenciária, a foto distribuída de Sérgio Cabral: retrocesso inaceitável


Por Marcelo Auler

No quarto de um hospital a filmagem da transferência de Garotinho, na penitenciária, a foto distribuída de Sérgio Cabral: retrocesso inaceitável.
Em nome do combate à corrupção e às fraudes eleitorais estamos vivendo um grave e perigoso momento de retrocesso. As filmagens da transferência do ex-governador Anthony Garotinho e as fotos distribuídas do ex-governador Sérgio Cabral como presidiário atingem diretamente o respeito e os direitos que todo e qualquer cidadão – inclusive os condenados, situação em que nenhum dos dois se encontra – têm: o respeito à dignidade humana.
Prendê-los é algo que deve se discutido nos tribunais. Cabral, solto, realmente pode ser uma ameaça não à ordem pública, como alegaram dois juízes, mas à apuração isenta dos crimes que teria cometido, e que são muitos e antigos.
Já a prisão de Garotinho, que ao que tudo indica tem problemas cardíacos, parece ter sido um abuso, como declarou a ministra Luciana Lóssio, que além de ocupar uma cadeira no Tribunal Superior Eleitoral (pelo segundo mandato), tem assento no Conselho Nacional dos Direitos Humanos – CNDH, como representante do Conselho Nacional de Justiça.
É mais do que justificável que a população, em especial a fluminense, aplauda a prisão dos dois ex-governadores, ainda que ambas possam ser discutíveis. O que não se justifica é tripudiarem da situação em que os dois se encontram. Ainda que já estivessem condenados, mereceriam todo o respeito como cidadãos. Mas, mais grave, são apenas suspeitos prestes a responderem no judiciário pelos possíveis crimes que teriam cometido. Que não foram poucos, é verdade, mas ainda não foram julgados, como o próprio juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal criminal, deixa claro na decisão que autorizou a prisão de Cabral.
Em ambos os casos, o desrespeito foi cometido com a participação e/ou conivência do Estado, isto é, de autoridades que ocupando cargos governamentais deveriam ser as primeiras a fazerem valer a Constituição Federal, também chamada de Constituição Cidadã, assim como a Declaração Universal de Direitos Humanos, que o Brasil assinou junto à ONU em 1948.
A foto de Cabral, feita dentro do pr4esídio, só pode ter sido distribuída à imprensa por um órgão público. No caso de Garotinho, mais grave ainda, pois, enfermo, dentro de um hospital público, foi filmado no quarto onde estava internado em uma situação tétrica, vexatória, em que brigava pelo seu direito a ficar internado. Direito este reconhecido pela decisão exemplar da ministra Luciana.
Tenho a tranquilidade de jamais ter dado um voto sequer para Sérgio Cabral ou Anthony Garotinho. Por Cabral fui nomeado assessor da Comissão Estadual da Verdade, mas por indicação do jornalista Álvaro Caldas e após aprovação do meu nome pelo então presidente da CEV-Rio, Wadih Damous. Logo, não me sinto devedor de nenhum favor ao ex=governador. E  o conheço desde que ele era  criança, devido a minha aproximação com seu pai, o jornalista Sérgio Cabral, a quem respeito profissionalmente e me solidarizo neste momento. Com Garotinho mantive apenas encontros profissionais, os quais nem sempre foram amistosos.
Não tenho procuração para defender nenhum dos dois e nem o faria pelos crimes que são acusados
Mas, a defesa do Estado Democrático de Direito e, dentro dele, do respeito a todo e qualquer cidadão, é algo inerente a todos. Não podemos transformar nossa sociedade, em nome da luta contra a corrupção, em uma sociedade de bárbaros. Não se combate o crime desrespeitando leis. Não se busca a moralidade pública, tripudiando adversários.
Jamais devemos esquecer que em uma ditadura, com o autoritarismo e desrespeito às leis, qualquer um de nós pode ser a próxima vítima. Se hoje aplaudimos o desrespeito aos Direitos Humanos por se tratarem de figuras públicas acusadas de males terríveis contra a população, mas que ainda não passaram pelo crivo do julgamento isento e com direito à ampla defesa,  amanhã não teremos como reclamar quando fizerem o mesmo com um dos nossos. Ou conosco mesmo.
Não cabe relembrar que a luta pela redemocratização deste país foi muito dura. Vários tombaram em nome dela. Vários passaram momentos terríveis com prisões injustificadas, torturas e outros desrespeitos. Muitas são as famílias que ainda choram seus mortos sem saberem onde estão seus corpos. Na ditadura imposta pelo golpe civil-militar que alguns aloprados defenderam semana passada pisoteando na bandeira nacional, dentro da Câmara dos Deputados, sem que nadas lhes acontecesse, o Judiciário é um dos primeiros a ser atingido.
Nelas, não existe Justiça com letra maiúscula, com isenção. Portanto, os magistrados que hoje decretam estas prisões dentro de processos legais, em nome da moralidade pública, deveriam ser os primeiros a condenarem estes abusos e falta de respeito. Mas, infelizmente, se calam. Exceção digna para a ministra Luciana Lóssio.
Da mesma forma, é terrível ver jornais e jornalistas fazerem vista grossa a estes desrespeitos. Esquecem que junto com o autoritarismo sempre a censura, o impedimento à liberdade de imprensa, à liberdade de opinião. Diante disso, deveriam se preocupar em cobrar respeito as leis e aos Direitos Humanos. É o mínimo que a decência e o respeito às leis exigem.

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