domingo, 10 de junho de 2018

Atenção: antes (apenas) desprezado, Bolsonaro passa a ser visto como fantoche potencial pelo establishment.



Por “Observador da caserna”, para o Duplo Expresso
  • “Folgávamos” todos na certeza de que, quando o jogo efetivamente começasse, Bolsonaro – já tendo cumprido o seu propósito de acirrar o antipetismo – seria desmontado pelo establishment. Tal qual boi rufião (estéril), usado para excitar a vaca, deixando-a em ponto de bala, seria descartado na hora H, para dar lugar à fertilização pelo touro de predileção do dono. Ou seja, o PSDB.
  • Bem, esse era, de fato, o plano dos aprendizes de feiticeiro. Quer dizer, o “Plano A” dos mesmos. No entanto, dada a resiliência política de Lula, casada com a inviabilidade eleitoral do programa econômico do Golpe, um “Plano B”, de “B’ufão”, deixa de ser algo inimaginável.
  • Portanto, chegou a hora de pararmos de subestimar Bolsonaro. Ele em si pode não passar mesmo de um bufão. Mas é justamente essa posição que permite que uma série de agentes estejam vendo nele um fantoche em potencial: (i) Lavajateiros do MPF, PF e Judiciário; (ii) o tal “mercado”; e ainda (iii) os militares. Antes desprezado pela cúpula das Forças Armadas, Bolsonaro começa a ser cortejado, tendo até mesmo se encontrado com o Comandante do Exército em audiência nesta semana.
  • O desespero faz milagres.
  • Ou horrores, conforme o caso.
  • Um bom marcador: conhecendo-se como – e para quem – opera a máfia que frauda as votações eletrônicas no Brasil, quando Bolsonaro parar de enfatizar a bandeira de impressão do voto quer dizer que já se acertou com o lado de lá.
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Tenho visto frequentemente o Duplo Expresso levantando a bola com indagações sobre os militares, que possivelmente figuraram até agora como uma das maiores interrogações em termos de suas atuais posições em relação ao Golpe e ao que virá daqui a pouco. Por isso julguei que é uma boa hora para escrever aqui, no intuito de chamar a atenção para algo bastante preocupante. Trata-se de uma entrevista com o General Augusto Heleno, a.k.a. General Heleno, ao (lamentável!) site “O Antagonista”. Cito-a tão somente por ser uma boa referência para quem quer entender, afinal, “o que estão penando os militares”. Vou tentar dizer o porquê de ele ser representativo, quais são os principais elementos da entrevista, e qual leitura podemos fazer dela.
O primeiro ponto a se destacar na entrevista não é o seu “tema central” – a intervenção no RJ. Nesse quesito ele repete o que já sabemos, que é esse discurso “ou se tem todo poder para entrar atirando, ou a coisa vai dar errado; estamos limitados pela lei, etc.”. Isso já é um prenúncio de que “ou a gente faz do jeito que bem entende, ou não tem jogo”. A hierarquia está colocada: “como assim auxiliar as forças de polícia? As polícias são forças auxiliares…”, etc. Mas o que interessa mesmo são as coisas que vêm junto, anexadas a essa conversa. Está ali o âmago de uma certa cultura militar: a ideia de que a Instituição, quando não é perfeita, corrige 100% dos seus erros (e portanto é perfeita); e a ideia de que eles, mais do que ninguém, “representam” o Brasil, no duplo sentido da palavra: são um “retrato” fiel, uma “média”, ao mesmo tempo que “agem como o Brasil”, ou mesmo “em nome do Brasil”. Está certo: eles são a representação MILITAR do Brasil, e isso é uma representação parcial, e legítima. Mas há elementos aí que tentam transformar a parte no todo, e já vou dizer quais são, e onde isso pode dar. No entanto, antes de chegar a este ponto, repassemos um pouco da trajetória do Heleno, e qual a sua representatividade.
Ele é filho de militar, nascido em Curitiba, mas passou a maior parte da vida adulta entre o RJ e DF. Ele se formou na AMAN em 1969 (cadete -> tenente), é o primeiro da turma de Cavalaria, primeiro também na EsAO (capitão) e primeiro na ECEME (major, e daí tem as credenciais para chegar a General). Um sujeito que sai dessa posição na AMAN já é chamado de “tenente general”. Que eu saiba, de lá para cá só ele teve essa “tríplice coroa” das 3 escolas. Para se ter uma noção da importância disso, basta ver que as Escolas são para um militar o principal centro de socialização, de inculcação da disciplina, hierarquia e dos valores militares, e também o principal momento de definição das carreiras individuais. Se você quiser ter uma visão “total” da vida militar, vá à AMAN. Voltando ao Heleno, quem tiver acesso a um almanaque (a lista que corresponde ao currículo Lattes militar, informando o lugar de cada um na hierarquia) vai ver que ele é de longe o militar mais condecorado de seu tempo. Sua carreira teve passagens por comandos de Escolas, Gabinetes de Comandos no DF, uma Brigada de Cavalaria, e, no fim, foi coroado com o comando no Haiti e depois Amazônia (dando bem a feição de um oficial multi-versado, não se trata apenas de um sujeito de gabinete), durante o governo Lula.
Para resumir isso tudo, pergunte a um militar o que ele acha de Heleno, e provavelmente vai ouvir que “Ele é um líder nato, um exemplo, e representa bem o que estamos pensando”. A ideia de exemplo é uma das bases da “liderança militar”, fundamento de sua socialização nos tempos de formação. É algo que está no centro dos valores deles. Muito do discurso militar sobre a “cobiça internacional pela Amazônia” e uma visão negativa sobre os movimentos indígenas se deve à ressonância produzida por Heleno e oficiais de turmas próximas – e hoje vemos como esse discurso se cristalizou, por exemplo, em políticos que vão de Aldo Rebelo a Jair Bolsonaro. Heleno saiu da ativa numa cerimônia em que ele destacou, além dessa conversa de que “os índios ameaçam a soberania nacional”, a “grandeza” do regime de 1964. Sua passagem para a reserva falou, basicamente, o que o conteúdo da entrevista mostra, e que pode ser resumido assim: “Nós, militares, somos moralmente superiores aos civis”.
Isso não é dele. A base da formação militar é feita justamente sob esse parâmetro, a separação “militares/paisanos”. Na entrevista ele mobiliza um discurso muito comum, o da “cola” nos estudos. Ele diz que “militares não colam” porque isso prejudica o todo, e usa isso como modo de dizer por que não há corrupção nas FFAA. Não é sugestivo que um General 4 estrelas use a “cola” para resumir sua superioridade moral? Acho que um parêntese é bem interessante aqui: se um dia permitirem a você, leitor(a), ler uma monografia de fim de curso da ECEME, que hoje em dia equivale a uma tese, procure outra com o mesmo tema. Você verá, provavelmente, uma “cola”. Só que permitida, então vamos deixar claro que os militares só não colam porque tendem a fazer tudo igual, o princípio de sua ação e simbologia é a repetição, e não a criatividade. Por isso mesmo eles vão ler toda a sorte de diferenças que ocorrem na sociedade como “corrupções”, “degradações”, “decadências”, etc. A política, nesse sentido, é a “mãe de todas as decadências”, pois de fato há o incômodo de eles se verem subordinados a ela quando “a própria sociedade reconhece” a corrupção nela. Nesse sentido, militares, como outros grupos, são sensíveis à mídia. Mas sua reação se dá numa base em que a política, especialmente quando vem do campo da esquerda, é ligada a uma ideia de “degradação moral”. E isso tem a ver com o que ele está fazendo de análise de conjuntura.
Vou resumir. Quem aguentar ver a entrevista, vai perceber algo mais ou menos assim: “ESTAMOS PRONTOS PARA ASSUMIR. SERIA MELHOR QUE ASSUMÍSSEMOS. MAS POR QUE NÃO VAMOS ASSUMIR? PORQUE NÃO PRECISAMOS POR A CARA PARA BATER, JÁ QUE TEMOS O BOLSONARO”. Simples assim. Ele julga que o Bolsonaro é um joguete na mão dos militares. Ele deu várias dicas sobre isso. Inclusive, quando questionado com um “mas como é que fica, Temer & cia, com essas acusações todas…”, ele vem com um “mas nós estamos aí, incorruptíveis”… É o “meia-palavra basta”… Agora, “tâmos aí, mas não precisamos”.
Aos 59′ da entrevista ele diz por que dá seu apoio ao Bolsonaro. Diz que Bolsonaro é “flexível”. Entendam isso como “manobrável”. O mais intrigante é ele dizer que Bolsonaro “foi meu cadete”. Não entendo onde. Eles não se cruzaram na Aman (A.H. é formado em 69, J.B. em 77), Heleno é de cavalaria, Bolsonaro da Artilharia. Mesmo que Heleno tenha feito algo na AMAN por volta da época em que Bolsonaro era cadete lá, duvido que ele tenha prestado maiores atenções neste, uma vez que não só são de armas diferentes, como Bolsonaro foi um aluno academicamente medíocre e, socialmente, um fanfarrão. Heleno, naquela época, nunca iria dar a menor pelota para um sujeito desses. Se deu, aí estamos condenados mesmo, pois é admitir que a mente mais brilhante de sua geração não tem critério algum para escolher quem são seus camaradas de armas. Não vejo outra lógica nessa afirmação que não a de que “ele é meu peixe”, isto é, em gíria militar, “é o cara que puxa o meu saco”. Se entendi algo dessa mensagem subliminar, é que Heleno é o Etchegoyen de Bolsonaro. Aliás, o “ministério da segurança” de Bolsonaro já está dado a ele. E, PODEMOS DESCONFIAR, HELENO TEM BOA PARTE DO EXÉRCITO NO BOLSO. Ele entra e sai das reuniões de comandantes, da ativa, como quem está em casa. E, daí, é só ver as consequências disso descendo pela cadeia de comando.
Para resumir: “Bolsonaro é a continuação de Heleno por outros meios”.
Há ainda outras coisas, que vou pontuar aqui:
1. Muita gente aqui no Duplo Expresso se pergunta sobre “como” as FFAA suportam tamanho ataque à nossa soberania”? Um palpite: DEVE HAVER UMA AVALIAÇÃO NAS FFAA QUE A MANUTENÇÃO DA POLÍTICA PRÓ-BRICS AUMENTARIA A TENSÃO COM O BLOCO EURO-AMERICANO A TAL PONTO QUE NÃO RESTARIA OUTRA OPÇÃO SENÃO O RISCO DEMASIADO UMA “CONVERSÃO À ESQUERDA” DA INSTITUIÇÃO MILITAR, À VENEZUELA. OU SEJA: O IMPASSE É “OU A GENTE VIRA “MELANCIA” (verde por fora e vermelho por dentro), OU A GENTE CEDE”. CEDER É A OPÇÃO MAIS LÓGICA, VISTO QUE MILITARMENTE AS FFAA NÃO TÊM CONDIÇÃO DE DISSUASÃO EM RELAÇÃO À OTAN.
2. Isso não significaria que eles deveriam necessariamente apoiar Bolsonaro. Exceto se os militares realmente o virem como um joguete. A “flexibilidade” dele, ressaltada como virtude na entrevista de Heleno, vai ser exatamente essa: ele vai ficar com essa “perfumaria” de arrebentar com os direitos humanos e as políticas sociais, e as questões “sérias” ficam na mão dos militares. Podem ter certeza que Bolsonaro vai tentar compensar sua fraqueza política no Congresso loteando os ministérios com militares. A declaração nonsense de Bolsonaro falando do “perigo chinês”, que foi lida pela imprensa como uma simples “imitação de Trump”, pode ter o dedo de Heleno aí: uma das consequências não previstas da Lava-Jato é que a quebra da nossa engenharia permitiu a entrada dos chineses com tudo aqui, a ponto de nesses dias isso ter sido objeto de análise preocupada de um militar americano no Instituto FCH.

  1. Heleno também aciona um discurso sobre corrupção. E é bem claro: “se um militar se corrompe, cortamos na própria carne”. Não é bem assim. Lá dentro, eles mesmos falam que os cadetes que optam pela Arma de Intendência são classificados como “potenciais corruptos”. Heleno limpa a fachada, mas sabe muito bem que a coisa não é assim lá. A grande diferença é que o mundo militar é inteiramente blindado, e pelas mesmas razões que não sabemos de problemas lá dentro não sabemos agora o que eles estão pensando, ou o que está acontecendo com a sucessão de Villas-Boas.
  2. Outra coisa: ele vem com essa coisa de que o “Exército tem gente de todos os cantos, é a diversidade do Brasil”. Cita que tem um comandante que veio “do nada”, etc. Não é bem assim. ELE SABE MUITO BEM QUE MUITO MAIS DA METADE DOS OFICIAIS É FILHO DE MILITAR. A ÚLTIMA PESQUISA QUE VI, DE 2011 OU 12, DIZIA QUE MAIS OU MENOS UNS 65% DOS CADETES ERAM FILHOS DE MILITARES. Portanto, acima de tudo, com esse índice, o Exército está representando a si mesmo. Esse é o ponto que diz respeito ao que dizia acima: a ideia de que eles “representam o Brasil” é falsa. Mas essa é uma tecla em que eles batem muito forte, e usam até como argumento para o serviço militar obrigatório.
Todos esses pontos, além da entrevista mostrar um bom exemplo de como o Exército é uma Força bastante identificada com a direita, sugerem que também há aí um profundo sentimento anti-esquerda. Para resumir, gostaria de colocar como citação um trecho do discurso de despedida do General Paulo de César Castro da ativa. Ele foi comandante do Departamento de Ensino e Cultura do Exército, responsável pelos currículos das Escolas, e, portanto, podemos ver no mínimo qual era a orientação que se dava, ainda em 2009, quando julgamos que a relação com Lula era “pacífica”:
“Vocês foram perfeitos ao cumprir a diretriz, indispensável nos dias de hoje, de patrulhar e de defender! De defender nossos subordinados e sagradas casernas das investidas constantes do revisionismo histórico brasileiro e das mensagens tão frequentes contrárias aos valores, às tradições, aos feitos, aos vultos e às lições do Exército de sempre. De patrulhar para que a lepra ideológica fosse mantida bem afastada de nossos currículos, salas de aula e locais de instrução. Os arautos da sarna marxista bem que tentaram, mas foram derrotados por todos nós, que seguimos a ordem do bravo Mallet, em Tuiuti: “eles que venham, por aqui não passarão!”. Meus generais, perseverai no combate, o inimigo é astuto e insidioso, mas capitulará ante nós, como derrotado tem sido até agora. Cuidado, ele procurará afirmar e convencer os inocentes e incautos de que o Exército 2009 é diferente do Exército que os derrotou no passado. Pobres almas, nós somos o Exército de Caxias, uno, coeso, indivisível, merecedor dos elevadíssimos índices de credibilidade que a tantos causam inveja e que em nós fortalecem a autoestima e o orgulho de sermos soldados verde-olivas”
(disponível aqui)
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CONCLUSÃO
“Folgávamos” todos na certeza de que, quando o jogo efetivamente começasse, Bolsonaro – já tendo cumprido o seu propósito de acirrar o antipetismo – seria desmontado pelo establishment. Tal qual boi rufião (estéril), usado para excitar a vaca, deixando-a em ponto de bala, seria descartado na hora H, para dar lugar à fertilização pelo touro de predileção do dono. Ou seja, o PSDB.
Bem, esse era, de fato, o plano dos aprendizes de feiticeiro. Quer dizer, o “Plano A” dos mesmos. No entanto, dada a resiliência política de Lula, casada com a inviabilidade eleitoral do programa econômico do Golpe, um “Plano B”, de “B’ufão”, deixa de ser algo inimaginável.
Portanto, chegou a hora de pararmos de subestimar Bolsonaro. Ele em si pode não passar mesmo de um bufão. Mas é justamente essa posição que permite que uma série de agentes estejam vendo nele um fantoche em potencial: (i) Lavajateiros do MPF, PF e Judiciário; (ii) o tal “mercado”; e ainda (iii) os militares. Antes desprezado pela cúpula das Forças Armadas, Bolsonaro começa a ser cortejado, tendo até mesmo se encontrado com o Comandante do Exército em audiência nesta semana.
O desespero faz milagres.
Ou horrores, conforme o caso.
Um bom marcador: conhecendo-se como – e para quem – opera a máfia que frauda as votações eletrônicas no Brasil, quando Bolsonaro parar de enfatizar a bandeira de impressão do voto quer dizer que já se acertou com o lado de lá.

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