terça-feira, 7 de agosto de 2018

Os devotos encrencados do "santo" Alckmin. - Fraude fiscal abate um formulador das propostas do tucano e Dersa custa denúncia criminal a ex-secretário.

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O “Santo” perde um colaborador almejado...



CARTA CAPITAL

Geraldo Alckmin, o favorito dos poderosos na sucessão de Michel Temer, entregou-se ao Centrão para ter o maior tempo na propaganda eleitoral de rádio e tevê que começa dia 31. Compreensível. Arranjou um canhão midiático para tentar fazer o eleitor não pensar em temasdesagradáveis para o tucano, como a ruína econômica de Temer, um governo apoiado pelo PSDB desde a primeira hora, ou o tema “corrupção”.
Codinome “Santo” em tramoias odebrechtianas que o obrigam a depor à Polícia Federal no dia 15, atento a delações homologadas de executivos da OAS e outras negociadas pela CCR sobre falcatruas no governo paulista, Alckmin iniciará a campanha com dois devotos encrencados. Um colaborador teve de sair de cena, enquanto um ex-secretário é processado na Justiça. 
O colaborador abatido é o economista Roberto Giannetti da Fonseca, de 68 anos, uma das cabeças do plano de governo alckmista. Ele deu entrevistas na condição de colaborador do candidato do PSDB, acompanhou-o em eventos com empresários, como um seminário em junho na Abdib, a associação dos investidores em infraestrutura, e até redigiu um manifesto para o tucano justificar certas alianças partidárias. Agora, o ex-governador diz que ele não tinha cargo em sua equipe.
Claro. Enquanto, em 26 de julho, Alckmin se casava com o Centrão em Brasília, em São Paulo a residência e uma empresa de Giannetti eram vasculhadas pela PF na Operação Zelotes, aquela que desvendou um esquema de anulação de impostos federais movido a suborno. Para os investigadores, Giannetti ajudou uma siderúrgica sediada em Santo André (SP) a livrar-se, com propina, de uma pesada autuação da Receita Federal.
A cobrança era de 2007, de 274 milhões de reais. A empresa Paranapanema recorreu, em 2008, ao Carf, órgão do Ministério da Fazenda em que o devedor busca cancelar impostos. Triunfou em 2014, quando calculava a dívida em 424 milhões, com juros e multas – hoje seriam 650 milhões, segundo o Ministério Público Federal. 
O MPF descobriu que o sumiço da dívida foi precedido de telefonemas e troca de e-mails entre emissários da Paranapanema e membros do Carf, encontros pessoais e grana. Giannetti teria sido um dos canais das negociações, recrutado pela siderúrgica para atuar em paralelo ao advogado oficial da companhia no Carf.
Revirada pela PF, a Brasilis/Kaduna, consultoria do economista, contratou duas firmas em Brasília para, conforme o MPF, aliciar o Carf. São velhas conhecidas da Zelotes. Uma é a Rodrigues e Advogados Associados. Seus sócios, Edison Rodrigues e a filha Meigan, foram do Carf e agora são réus nos tribunais. A outra, a Green Century, é do advogado Vladimir Spíndola, também já denunciado à Justiça. 
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...Roberto Giannetti da Fonseca , investigado pela PF (Gustavo Lourencao/Valor/folhapress

A Brasilis/Kaduna, afirma o MPF, recebeu 8 milhões de reais da Paranapanema, embolsou 2,2 milhões e repassou o resto à banca advocatícia e à Green Century, dinheiro que estas teriam usado em subornos no Carf. No dia da batida na empresa de Giannetti, a PF encontrou 373 mil reais cash na casa de um dos supostos subornados, Mércia Helena Damorim. Esta foi um dos votos que absolveram a Paranapanema no Carf por 5 a 1.
Os investigadores dizem ter provas de que outros dois votos pró-siderúrgica, Luciano Lopes Moraes e Daniel Mariz Gudino, embolsaram 150 mil um, 120 mil o outro. Gudino era o relator do caso e teria, inclusive, informado antes à empresa o teor de seu voto. “Tudo leva a crer que esse julgamento foi manipulado”, disse o procurador da República Frederico Paiva no dia da ação da Zelotes. “Há sérios e sólidos indícios.” 
Ao autorizar a batida policial, o juiz condutor da Zelotes, Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília, anotou a existência de elementos a indicar que Giannetti “participava do esquema ilícito”. No material do MPF, há dois e-mails comprometedores para o economista.
Em um, ele conta à siderúrgica que duas pessoas no governo se empenhariam para não haver recurso da Fazenda contra a derrota do Fisco no Carf, como de fato não houve: Mauro Borges, então ministro do Desenvolvimento e hoje no governo petista de Minas Gerais, e Daniel Godinho, um dos secretários de Borges na época.
Em outro, Giannetti comunicava-se com Spíndola e reclamava de cobranças financeiras no caso Paranapanema. “E quanto aos outros valores que te entreguei em espécie sem nenhuma destinação específica, a título de ‘bônus’? Nenhuma palavra?”, escreveu.
“Não vou discutir nem brigar com V. por conta de dinheiro, mas saiba que essa sua insistência de cobrar valores sem recordar de outros pagamentos que lhe fiz sem justificativa ao longo dos últimos 5 ou 6 anos me deixa extremamente decepcionado.” 
A Paranapanema diz que seus dirigentes não foram alvo da Zelotes e que repudia ilegalidades internas. Giannetti declara-se pronto a prestar esclarecimentos à Justiça e que sempre se pauta pela ética. A se confirmar a suspeita contra ele, resposta que o MPF espera ter em até sete meses, será mais um exemplo de impostura da elite brasileira, a turma do 1% que manda no País e adora indignar-se com a falta de decoro alheio.
O milionário economista é de linhagem influente e endinheirada. Seu avô materno, Américo René Giannetti, foi prefeito de Belo Horizonte no início dos anos 1950. Seu pai, Justo Pinheiro da Fonseca, foi o segundo presidente da história da Febraban, a federação dos bancos, nos anos 1970, e homem forte dos negócios de Baby Pignatari, neto playboy do industrial Francisco Matarazzo. Da Fiesp, a federação das indústrias paulistas, o próprio Giannetti foi dirigente por uma década, de 2004 a 2013. 
Na casa dos pais, em São Paulo, Giannetti tinha mordomo e refeições com talheres de prata, copos de cristal e guardanapo de linho. Seu irmão Eduardo, de 61 anos, também economista, desfrutava daquela boa vida, mais tarde tornou-se colaborador da presidenciável Marina Silva, da Rede. Esteve com ela na eleição passada, repete a dose em 2018.
Roberto e Eduardo estão entre os responsáveis pelo apoio de Marina ao tucano Aécio Neves contra a petista Dilma Rousseff no segundo turno de 2014. Negociaram o encontro da ambientalista com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que selou o acordo. E ajudaram a escrever, no apartamento de FHC, o documento do apoio.
Na última eleição, a Brasilis/Kaduna doou 250 mil reais à direção nacional do PSDB. E 250 mil ao PSB de Santa Catarina, controlado pelos Bornhausen, aliados do governo FHC.
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Enquanto Eduardo colabora com Marina Silva, Vallisney Oliveira aponta para Roberto (Cleones Ribeiro)
Giannetti foi daquele governo, daí a intimidade com FHC. De fevereiro de 2000 a junho de 2002, chefiou a Câmara de Comércio Exterior (Camex), órgão que debate políticas do setor. Essa cronologia gera desconfiança. A alegada fraude fiscal pró-Paranapanema refere-se a um processo no Carf que botou lupa sobre fatos tributários do período de 21 de maio de 2002 a 3 de janeiro de 2006.
A saída de Giannetti da Camex, motivada por uma briga com o então ministro do Desenvolvimento Sérgio Amaral, hoje embaixador do Brasil em Washington, foi anunciada em 22 de maio de 2002. Dúvida: na reta final da passagem pelo governo FHC, Giannetti tomou ou articulou alguma decisão pró-Paranapanema que depois não passaria pelo crivo da Receita? 
A autuação do Leão contra a empresa identificou a utilização indevida do regime tributário drawback. Este permite a uma companhia pagar menos impostos ao comprar insumos no exterior, caso a importação se destine a repor estoques usados na produção de mercadorias exportadas.
O benefício depende de papelada, paga-se imposto de um lado, pede-se abatimento de outro. Para a Receita, o problema com a Paranapanema esteve na papelada. Um dos emissores dos papéis é a Secretaria de Comércio Exterior, motivo de novas desconfianças.
No segundo governo FHC, a Secretaria foi comandada por Lytha Spíndola, uma auditora fiscal que no primeiro mandato do tucano havia sido a número 2 da Receita. Estava no cargo quando Giannetti passou pela Camex e começam os fatos examinados pelo Fisco na autuação da Paranapanema, maio de 2002. Recorde-se: para ajudar a siderúrgica, Giannetti recorreu a Vladimir Spíndola, que é filho de Lytha. 
Dados seus conhecimentos em comércio exterior (ele tem empresas do ramo), Giannetti foi nomeado por Alckmin, de quem era amigo, integrante do Conselho Consultivo de Relações Internacionais que o tucano criou no governo paulista, em setembro de 2017.
O outro alckmista encrencado por estes dias também foi do time do tucano em São Paulo. De 2011 até abril passado, Laurence Casagrande Lourenço comandou a Dersa, estatal paulista responsável por obras viárias. Entre 2016 e 2017, acumulou o cargo de secretário de Logística. Está preso desde junho, em caráter preventivo, pois a facção paulista da Operação Lava Jato suspeita de dedo dele em maracutaias no Rodoanel, uma antiga e bilionária obra.
Em 27 de julho, a suspeita virou acusação formal na 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo. Lourenço foi denunciado por formação de quadrilha (outras 13 pessoas estão na denúncia), fraude de licitação e de documento público e mudança indevida de contrato licitatório. Se condenado em tudo, pegará ao menos oito anos de prisão. 
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O Rodoanel paulista, caso cabeludo a envolver Paulo Preto quando Serra governou São Paulo. Casagrande Lourenço terá de se haver com a juíza Maria Isabel do Prado (Gedeão Dias/TJSP)
O ponto de partida dos alegados crimes é 2011. A Dersa, Lourenço à frente, começou preparativos para escolher empreiteiras que botassem de pé o trecho norte do Rodoanel. O projeto foi dividido em seis lotes, cada um seria entregue a quem cobrasse mais barato pelo serviço. O leilão foi vencido por OAS (2 lotes), Acciona (2 lotes), Mendes Júnior e Construcap.
Os contratos foram assinados em 2013, um total de 4 bilhões de reais. Em outubro de 2014, com as obras em curso e logo após Alckmin se reeleger governador, a Dersa fez um acordo com a OAS do tipo “aditivo”. Pagaria um pouco acima do combinado. A empreiteira alegou que teria de recorrer a um método de escavações fora do script, mais caro, por ter esbarrado numa geologia inesperada. E aí surge o pepino. 
Para o MPF, o acordo foi fraudulento, pois a geologia tida como fora do roteiro estava prevista no projeto do Rodoanel e no edital de licitação. O aditivo com a OAS desencadeou um festival de aditivos da Dersa com as demais empreiteiras.
Para camuflar o encarecimento da construção, houve “jogo de planilhas”, expediente que consiste em baratear um serviço a ser prestado pela empreiteira no fim da obra. O uso desse expediente foi confessado à PF por um funcionário da Dersa, Benedito Aparecido Trida, também denunciado.
Para que as empreiteiras lucrassem mesmo após o “jogo de planilhas”, a Dersa renegociou contratos com base na alegação delas de que era necessário um reequilíbrio econômico-financeiro. O valor dos contratos subiu. Tudo somado, um prejuízo para o Erário estimado pelo MPF em 480 milhões de reais. Que só saiu do apel graças a um emaranhado jurídico no qual há várias assinaturas. Inclusive a de Lourenço. 
O ex-secretário terá de provar a inocência perante a juíza Maria Isabel do Prado, da 5ª Vara Federal Criminal em São Paulo. Se não conseguir, será um caso comprovado de raposa que papou galinhas das quais deveria cuidar. Lourenço tem know-how em inteligência e investigação. Trabalhou numa empresa de espionagem, a Kroll. Saiu dali direto para o time de Alckmin. 
Assumiu a Dersa em 2011 com a missão de detectar perigos, rolos. Na campanha presidencial de 2010, Dilma Rousseff tinha botado a Dersa em cena, ao ligar seu rival na eleição, o tucano José Serra, a um diretor da estatal paulista, Paulo Vieira de Souza, suspeito de falcatruas.
Paulo Preto trabalhava na Dersa quando Serra governou São Paulo, de 2007 a 2010. Alckmin sucedeu a Serra e teve de segurar a batata quente na estatal. Agora Lourenço faz companhia a Paulo Preto entre os processados pela juíza Maria Isabel. 
Apesar das encrencas de seus colaboradores, até que Alckmin tem motivo para sorrir por estes dias. Na quinta-feira 2, o MDB confirmou a candidatura do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, o que ajuda o tucano a tentar se desvencilhar de laços com Temer, apesar de ter caído no colo do Centrão. Um dia antes, PT e PSB selaram um pacto, com chiadeira na base de ambos.
O primeiro sacrifica sua postulante ao governo de Pernambuco, Marília Arraes, bem posicionada nas pesquisas, enquanto o segundo retira seu aspirante em Minas, Marcio Lacerda, e fica neutro na disputa presidencial. Péssimo para Ciro Gomes, do PDT. Sem o PSB, não conseguirá atrair o PCdoB, que oficializou Manuela D’Ávila, e fará campanha sem aliado de algum peso. E ótimo para Alckmin, a ver o concorrente enfraquecido.
Mais ainda para o PT, que se prepara para registrar a candidatura de Lula. Para pressionar o Judiciário a soltá-lo e aceitá-lo no páreo, 11 militantes do MST e do lulismo acabam de entrar em greve de fome. Quem cederá primeiro, os grevistas ou o Judiciário? 

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