sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Começar de novo - Diante dessa assustadora inclinação a um candidato ultradireitista, que superou todas as previsões, o PT e a centro-esquerda brasileira tentam traçar uma estratégia eficaz.

 




Pouco depois das 20h30 de domingo, no hotel paulistano onde se encontrava junto com os coordenadores de sua campanha eleitoral, Fernando Haddad, o candidato do PT e representante do ex-presidente Lula da Silva, esboçou um breve sorriso de alívio e abraçou sua mulher.

Naquele instante, o candidato ultradireitista Jair Bolsonaro estava com 47,2% dos votos válidos. O sorriso de alívio tinha uma explicação: até meia hora antes, Bolsonaro roçava a marca dos 49,4% e havia indícios palpáveis de que poderia ser eleito no primeiro turno.

O resultado final, de 46,09% contra 29,2% alcançados por Haddad, é inquietante. A distância entre os dois principais candidatos é de pouco mais de 18 milhões de votos. Mas não houve vitória de Bolsonaro no primeiro turno, e – como nunca antes na história eleitoral brasileira, desde o retorno da democracia, em 1985, após 21 anos de ditadura militar – a velha frase sobre “a luz no fim do túnel” se mostrou plenamente justificada.

Naquela noite de domingo, superado o susto inicial, Haddad começou a agir, procurando aliados para o segundo turno. Houve uma longa conversa telefônica com o candidato de centro-esquerda Ciro Gomes, que obteve 12,48% dos votos, o que se traduz em pouco mais de treze milhões de votos, que agora se tornam fundamentais para Haddad. Também anunciou que abrirá negociações urgentes com outros candidatos de centro-direita, e seus estrategistas mencionaram um objetivo primordial: os 20% de eleitores que se abstiveram e os 8% que anularam seu voto ou votaram em branco.

Ontem pela manhã, Haddad voou a Curitiba para se encontrar com Lula da Silva, que se encontra preso desde abril, condenado por uma sentença sem provas e impedido de disputar a Presidência, como favorito absoluto. Logo, regressou a São Paulo para se reunir com o comando de sua campanha e traçar a estratégia deste segundo turno.

Há duas dúvidas que terão que ser elucidadas o antes possível. A primeira: se descolar ou não da imagem de Lula e impor sua própria personalidade. Se considera que o ex-presidente já passou a Haddad todos os votos possíveis, e que agora o candidato terá que ampliar seu campo de ação. Porém, o “núcleo duro” do PT resiste à ideia de que a imagem do ex-presidente seja relegada a um segundo plano.

A outra dúvida se refere ao momento em que Haddad deverá expor sua política econômica, com claros gestos destinados a tranquilizar o mercado.

A ampla vitória de Bolsonaro no primeiro turno, muito acima do previsto, provocou um estouro da Bolsa de Valores e uma feroz corrosão do dólar e do euro com relação à moeda brasileira.

A urgente necessidade de armar um amplo leque de apoios, capaz de levá-lo à vitória e a uma virada inédita na história das eleições brasileiras poderá ser possível se Haddad optar por uma política econômica mais centrista, afastada de algumas linhas básicas de um programa de esquerda. O problema será convencer a direção do PT sobre essa necessidade urgente.

Também há outra questão especialmente grave a ser contemplada: a dimensão, absolutamente inesperada do sentimento antipetista e antiesquerda em geral, que resultou em algo que há uma semana parecia puro delírio, a explosão da ultradireita. O minúsculo partido de Bolsonaro, por exemplo, que contava com um único e solitário deputado federal, elegeu 52 e se transformou na segunda maior bancada na Câmara, superada somente pelos 56 do PT de Haddad.  

Ficou claro que, para quase metade do eleitorado, o fantasma do autoritarismo exacerbado de Bolsonaro não assusta. Sua defensa da ditadura, da tortura e da pena de morte, assim como seus ataques radicais de racismo, machismo e misoginia tampouco são preocupantes. A ausência de qualquer política social em seu programa de governo e a irracional defesa de um neoliberalismo fundamentalista (e por isso inviável) na economia, com a proposta de “privatizar tudo”, parecem se situar a uma distância astronômica das preocupações dessa parte do eleitorado.

Diante dessa assustadora inclinação a um candidato ultradireitista, que superou todas as previsões, o PT e a centro-esquerda brasileira tentam traçar uma estratégia eficaz. Na primeira etapa da campanha, a propaganda política na rádio e na televisão – que recomeça nesta sexta-feira 12 de outubro, quando faltarão apenas 16 dias para o dia da votação final – mostrou ser insuficiente para frear a explosão dos seguidores do ultradireitista nas redes sociais. 

Apesar disso, os seguidores de Haddad e seus prováveis aliados esperam que agora, sem poder fugir dos dez minutos diários na propaganda transmitida pela televisão, Bolsonaro perderá espaço. Creem que se ele abrir a boca e disparar seus habituais absurdos, parte dos eleitores que votaram nele se assustarão e mudarão de ideia.

Se trata, na verdade, de uma expressão de desejo, mais que uma possibilidade concreta. Mas, também vale para recuperar a ideia de que ainda há uma luz no fim do túnel.


CARTA MAIOR

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