terça-feira, 23 de setembro de 2014

Nota das Forças Armadas não muda nada. Elas têm de colaborar com Comissão da Verdade.






Meio século depois de terem vergonhosamente rompido a legalidade constitucional, deposto um presidente da República e implantado a ditadura cívico-militar no país, sem terem mais como continuar resistindo, as Forças Armadas (FFAA) admitem, finalmente, não ter como negar torturas e crimes praticados em suas instalações durante o regime de exceção.
Só agora, e pela 1ª vez na história pós-64, os três ramos das FFAA – Exército, Marinha e Aeronáutica – reconhecem não ter mais como negar a ocorrência de graves violações de Direitos Humanos em suas dependências, naqueles quartéis e outros locais que foram transformados e funcionaram como centros da repressão política durante a ditadura.
O ministro da Defesa, Celso Amorim, enviou 6ª pp. ofício nesse sentido à Comissão Nacional da Verdade (CNV). Como o documento das FFAA é pouquíssimo claro – muito pelo contrário… – a CNV decidiu requerer algo “mais afirmativo”, como a admissão de torturas e mortes nos centros de repressão montados em instalações militares.
Cada ramo das FFAA mais empolado do que o outro ao assumir.
O ofício do ministro Celso Amorim foi elaborado a partir de ofícios que ele recebeu dos três comandos militares. O da Aeronáutica afirma não ter elementos para contestar que houve graves violações, nem o reconhecimento da responsabilidade do Estado; o da Marinha alega que não tem provas para negar nem confirmar as violações apontadas pela CNV; e o do Exército não contradiz os dados de violações fornecidos pela Comissão, reconhecendo que não seria pertinente contestar decisões já tomadas pelo Estado brasileiro – este já reconheceu as torturas e mortes no período e, em muitos casos, pagou indenizações – nem as circunstâncias configuradas em lei neste sentido.
Faltam menos de três meses para a conclusão dos trabalhos da CNV, dia 16 de dezembro, quando ela está obrigada a entregar seu relatório final à presidenta Dilma Rousseff. Mas o governo já tomou a decisão, também, de a Comissão, expirado o prazo de 2,5 anos de funcionamento estabelecido na lei que a criou,  continuar funcionando por tempo indeterminado como um órgão da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República.
Quer dizer, não adianta muito as FFAA continuarem com esses ofícios e linguagem empolada em que assumem, sem assumir, o que fizeram. Um dia, mais cedo ou mais tarde, inexoravelmente, terão de assumir. O documento enviado pelo Ministério da Defesa, mesmo com os termos empolados e voltas empregadas é melhor do que nada.
Na prática, ofício ainda não muda nada. Tem de colaborar.
Mas, na prática, não muda nada. O que conta é que as FFAA precisam colaborar com a CNV. Continuarão sendo cobradas. Têm de reconhecer e se desculpar pelo que fizeram, os erros que cometeram, mesmo de forma enviesada. É importante.
Agora, não se iludam, nem a nação, nem seus representantes militares: importante e o que muda mesmo é abrir os arquivos da repressão, daquele longo e sombrio período de 21 anos de ditadura (1964-1985), e determinar que todos os oficiais da ativa e da reserva testemunhem perante a CNV e a Justiça.
Mais cedo ou mais tarde, como em todos os países, essa Lei da Anistia recíproca, perversa, será revogada e todos serão levados aos tribunais para responder pelos crimes que praticaram. O Chile acabou de revogar a sua Lei de Anistia. Aqui também terá de ser feito. Pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que a validou e a considerou constitucional em 2010; ou pelo próximo presidente/a da República, ou pelo Congresso Nacional. Ela continuar, perpetuamente, é que não pode.

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